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Jogos de azar online na era digital: desafios, regulamentações e o modelo britânico como referência
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Os jogos online deixaram de ser uma novidade e se tornaram uma indústria global em rápido crescimento. Neste artigo, Federico Rodríguez Aguiar, analista de marketing e consultor, analisa como a digitalização e a expansão do mercado transformaram o ecossistema de apostas, gerando oportunidades econômicas, mas também dilemas sociais e regulatórios. Do vício em jogos de azar à publicidade enganosa, incluindo o caso do Reino Unido e seu ambicioso White Paper, o artigo convida à reflexão sobre o equilíbrio entre desenvolvimento e proteção dos jogadores.

Em poucos anos, o que antes acontecia dentro das paredes de um cassino físico ou de uma agência de apostas migrou para as telas de milhões de dispositivos. Hoje, é possível apostar pelo celular, em tempo real, e com ofertas cada vez mais sofisticadas.
Esse crescimento — impulsionado pela digitalização e pela liberalização do mercado — impulsiona economias, cria empregos e aumenta a arrecadação tributária. Mas também abre uma série de dilemas que não podem ser ignorados.
O problema não é o jogo em si, que faz parte da cultura e tradição de muitos países, mas as consequências de seu desenvolvimento acelerado e, às vezes, mal regulamentado. O vício em jogos de azar, a exposição de jovens e pessoas vulneráveis, a lavagem de dinheiro e a publicidade enganosa são alguns dos aspectos menos visíveis de um setor que, embora contribua, também pode minar a confiança nas instituições.
A Organização Mundial da Saúde deu um passo importante em 2018 ao reconhecer o transtorno do jogo como uma condição de saúde mental. Com isso, o fenômeno deixou de ser visto apenas pela perspectiva da arrecadação de impostos e se tornou uma questão de saúde pública. Isso exige que os Estados elaborem políticas que não apenas regulem impostos e licenças, mas também protejam as pessoas, previnam riscos e ofereçam ferramentas de tratamento para aqueles que precisam.
O panorama regulatório atual mostra progressos, mas também limitações. Existem marcos legais e órgãos de supervisão, embora, em muitos casos, uma abordagem fiscal predomine sobre uma preventiva. Soma-se a isso a velocidade da inovação digital, que evidencia a falta de ferramentas de supervisão adequadas. A fragmentação institucional e a limitada participação da sociedade civil completam o diagnóstico de um sistema que ainda tem muito a consolidar.
Disso emergem dois eixos incontornáveis: jogo responsável e integridade institucional.O primeiro visa regulamentar a publicidade, promover programas de autoexclusão, estabelecer limites de tempo e valor e, acima de tudo, conscientizar a sociedade para que o entretenimento não leve ao vício. O segundo exige transparência no licenciamento, controles eficazes contra lavagem de dinheiro e mecanismos de responsabilização que fortaleçam a legitimidade dos órgãos reguladores.
Experiências internacionais mostram que é possível avançar nessa direção. Países como Reino Unido, Espanha, Canadá e Austrália adotaram modelos baseados em evidências e cooperação intersetorial, com sistemas de monitoramento que equilibram o desenvolvimento econômico e a responsabilidade social.
Podemos analisar o que está acontecendo no Reino Unido, pois ele está em um momento chave na regulamentação do jogo com a publicação do White Paper sobre jogos de azar de 2023 intitulado Altos riscos: reforma do jogo para a era digital. O documento surge em resposta ao distanciamento entre a Lei dos Jogos de 2005 e a realidade do mercado, dominado por plataformas digitais, apostas esportivas online e novas formas de interação que exigem controles mais sofisticados.
O foco do debate regulatório mudou para a saúde pública, com ênfase crescente nas implicações sociais dos jogos de azar e na necessidade de mitigar os danos. As principais propostas incluem limites para jogos de azar online, a reformulação de produtos digitais para prevenir padrões de dependência e a implementação de ferramentas tecnológicas para identificar comportamentos de risco. O papel do regulador, a Comissão de Jogos de Azar, também é fortalecido, com maiores capacidades de supervisão, investigação e sanção.
O tratamento da publicidade e do patrocínio é outro destaque. O relatório analisa a exposição de menores e jovens à publicidade de jogos de azar, especialmente durante eventos esportivos. Embora não proponha uma proibição total, abre caminho para regulamentações mais rigorosas e novas responsabilidades para os patrocinadores.
Vários acadêmicos britânicos contribuíram com suas perspectivas sobre essas reformas.Kate Bedford (Universidade de Birmingham) enfatiza que as medidas refletem uma preocupação crescente com a saúde pública e o jogo como um problema social, embora alerte sobre possíveis implicações para a privacidade dos jogadores (Bedford, 2024).
Por sua vez,Henrietta Bowden-Jones, diretora da Clínica Nacional de Problemas com o Jogo, enfatiza a importância de basear políticas em evidências científicas e experiência clínica para garantir sua eficácia na redução de danos.
Finalmente, Mark Griffiths (Universidade Nottingham Trent) destaca a necessidade de equilibrar a proteção dos jogadores com a viabilidade econômica do setor, evitando que restrições excessivas alimentem mercados ilegais ou não regulamentados. Apesar do progresso, ainda há desafios. Entre eles, encontrar um equilíbrio entre regulamentação e liberdade econômica, desenvolver programas de educação e conscientização pública sobre os riscos do jogo e promover a colaboração internacional para estabelecer padrões globais na regulamentação do jogo online.
Em última análise, o Reino Unido representa um modelo regulatório que busca reformular o paradigma em direção à proteção do jogador, integrando ferramentas tecnológicas, medidas preventivas e evidências científicas, oferecendo assim uma referência valiosa para a regulamentação do jogo na era digital.
*Federico Rodríguez Aguiar é analista de marketing com mais de 35 anos de experiência na indústria de jogos na América Latina e no Caribe. Ocupou cargos de alto nível como regulador e atuou como jurado em eventos internacionais do setor. Atualmente, trabalha como colunista independente, analisando tendências e regulamentações.
Categories: Analysis
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Region: Europa
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